O “pânico satânico” é um movimento midiático que se iniciou nos EUA e que foi uma verdadeira explosão na década de 80. Naquela época, houve por todo o país uma avalanche de denúncias infundadas de crimes de supostos abusos físicos e sexuais cometidos por cultos demoníacos, sendo constantemente também associados à pedofilia. Com toda a espetacularização que a grande mídia proporcionou , as histórias acabaram evoluindo para uma grande teoria da conspiração em que as pessoas mais ricas e poderosas do planeta faziam parte de um grande culto diabólico que sequestrava ou gerava crianças para se prostituírem ou para serem sacrificadas para o Demônio. Obviamente que nenhum desses relatos foi comprovado oficialmente e, por conta disso, o fenômeno foi perdendo significativamente a sua credibilidade por volta do final dos anos 90.
<span;>Importando esse movimento para a nossa realidade brasileira, ele subsiste atualmente como um conjunto de teorias da conspiração bastante eficaz no que diz respeito em fisgar a parcela de nossa população mais religiosa para o lado da extrema-direita. E não poderia dar outra, pois a Esquerda é bastante conhecida por defender diversos temas polêmicos para a população mais conservadora de nosso país, tais como legalização da maconha, identidade de gênero, feminismo, casamento gay e aborto. Como todas essas questões são verdadeiras afrontas aos dogmas cristãos, associar a Esquerda ao Demônio é o caminho mais fácil para fazer com que a população mais pobre e religiosa fique do lado da Direita, ainda que esta não apresente nenhuma proposta que melhore a sua vida substancialmente. Não faltaram vídeos de Lula e Janja em terreiros de religiões africanas (associando-as aos demônios, obviamente), nem discursos e profecias do apocalipse de líderes religiosos associando a nossa atual política com o fim dos tempos. Michelle Bolsonaro já chegou a afirmar em um culto/comício que Bolsonaro era o “escolhido de deus” para salvar o nosso país e que o Congresso Nacional era consagrado ao Demônio e que foram as suas constantes orações que purificaram o local. O extremo do ridículo de todas essas narrativas foi um vídeo viral em uma igreja evangélica, em que um pastor entrevista uma mulher supostamente possuída por demônios. Tirando o fato de as entidades em questão serem da umbanda e já percerbermos aí também mais um golpe de intolerância que as religiões africanas sofrem dessas igrejas, o papo surreal e forjado afirma que o espírito de Zé Pilintra possui Lula através da cachaça e que o de Maria Padilha possui Janja e que ambos foram colocados à frente do nosso país pelos espíritos das trevas para que o destruíssem.
<span;>Minha visão pessoal é que, infelizmente, tais visões absurdas da realidade se tornarão cada vez mais comuns e cada vez mais decisivas no cenário político daqui por diante, pois segundo o Censo, o número de evangélicos superará o de católicos em 2032 em nosso país, e duvido muito que essa proliferação resulte em uma visão mais progressista da humanidade. Uma pena Jesus não ter deixado uma data-limite para ele voltar, pois assim que essa data chegasse e ele não voltasse, ficaríamos livres de termos nossas vidas decididas por essas questões fantasiosas de uma vez por todas.